A viagem que iniciámos desde o primeiro até ao último segundo da nossa existência é única, com duas perspetivas, a exterior está intimamente ligada ao interior, na infância temos uma Cegonha como companheira da anarquia (ingenuidade e inocência), a partir da adolescência despertamos e dispomos de uma Árvore como parceira das ciências (fantasias, desejos e ideais), na idade adulta observamos os ramos e optamos por um ou por outro conforme os desígnios e os interesses. Na velhice a Cigana da vida bate-nos à porta para a auscultar do que aspiramos do futuro e do que experienciámos do passado, entretanto a árvore já não é o que fora e constatamos que as folhas da copa já não têm o vigor de outrora, corolário de anos e anos de erosão e estão cada vez mais distantes.
A lenda da cegonha nasce das crenças entre dos Deuses da Natureza e os da Humanidade, entre o sagrado e o profano, no fundo liga-se a natureza ao humano por uma ave que habita nos telhados ou nas árvores, é no fundo o culto do oculto e do imaginário (como a lenda da descida do pai natal pela chaminé e as prendas na árvore de Natal) mas acabamos sempre invocar uma divindade para abençoar o novo ser. A cegonha pode ter múltiplos destinos, mas a infância é sempre difícil tendo em conta a descoberta do mundo à nossa volta em que a ingenuidade e a inocência revertem a existência para uma condição de satisfação das necessidades básicas. A lenda mantém-se pela saudade e nostalgia de recordar às gerações essa credulidade e inculpabilidade perdidas face ao confronto diário com a realidade que não nos permite regressar ao passado e à barriga das nossas mães.
Na adolescência impõem-nos ou selecionamos a nossa árvore que depende do lugar, da capacidade, da época e das condições existentes numa primeira instância, essa árvore pode ser frágil ou robusta de acordo com a casta ou a classe, estará sempre sujeita `as intempéries do ocaso, ao fluxo das situações quotidianas e ao lugar onde foi plantada se em terra mais ou menos fértil. O crescimento é relativo de acordo com as oportunidades da vida e do interesse individual, será condicionado também pelo ramo que optarmos para a promoção ou para a progressão e há sempre acidentes, ramos que podem secar ou quebrar, fruto de circunstâncias pessoais ou alheias. A sorte é um dos fatores a ter em conta por razões que a própria razão desconhece num plano científico mas, que existe por muito que se possa pôr em causa quer seja por uma conjugação de fatores imprevisíveis que aceleram ou retardam ou por estar no lugar certo à hora certa.
Na idade adulta quase sempre encontramos a outra árvore que se entrelaça com a nossa e por polinização iremos dar condições ao crescimento de novas árvores se a cegonha eventualmente reunir as condições na nossa copa. Entretanto ofereceremos dignidade e competências e cuidaremos com trabalho e esforço das novas árvores e edificaremos a nossa floresta e as confiaremos a um novo destino a sua existência. E eis que a velhice nos toca para termos um encontro com a anunciada Cigana que chegará com o livro da contabilidade dos saldos e dos resultados operacionais, com os défices e os créditos, para justificar todo o processo de negócio da nossa existência. Por fim os olhos imaginaram o Universo e refletirão sobre o dia em que “vamos para casa” depois de termos observado, prosperado e amado este Mundo (ação, experiência e recordação), numa jornada, que teve o seu trajeto e itinerário nos tempos e nos lugares próprios com a sina e o destino que a Vida impôs e responsabilizou.
A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos não é o que vemos, senão o que somos... de Fernando Pessoa